O coração quer ir, quer desaguar em alto mar. O chão do meus pés tem pó cinza nele. É o mesmo mar da beira da Bahia, ondas-golpe, areia. Vem da mata que ontem atearam fogo na beira, limparam a terra e trouxeram o boi. Sal. Quando amanheci, olhei e caminhei serena por entre as manchas de brasa que se iluminavam e contavam a ocasião. Para adentrar de branco o mar escuro de ondas grandes e golpes rápidos, para ter passagem e guiar o corpo pelo centro, pelo ventre – “Coragem!”, ela diz. No chão, tudo era cinza e toco. E cola o corpo no vestido longo branco na noite de ano novo, o mar avança, ela mergulha, volta para o fôlego, limpa o rosto, onda estoura contra o peito. Descalcei os sapatos, senti o calor subir pela sola. “Coragem!”. Agora na nascente, deslizei meu pé direito em direção ao poente. A água sobe ao meio corpo, o pano do vestido é volume, lembra espuma desde a cintura, e onda. O fundo do rio tem as cores do pavão – se é que isso pode. Noite de ano novo misturou-se com o mar e pediu com voz de mulher, com o gesto lavado, e o coração entregue, externo aberto, as mão n'água, boca, perna e os seus seios, o vestido branco longo colado no corpo, voz para o horizonte todo escuro, vento, mar e tamanho, e os fogos de artifício que agora a gente toda ficou na beira e ela flecha para dentro da onda. Meu corpo sussurra o movimento. Tornozelo, peito do pé – gravo a sola em curva no ar. Pó. Noite de ano novo misturou-se com o mar e pediu com voz de mulher “Mãe, me dá coragem”. A bailarina é o rio.
Beira
[ 2014 ]
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